Adeus

Tinhas o corpo rijo. Tão rijo quanto suave era o toque do teu pelo. Tão rijo que partiste a força dos meus braços.

Estavas fria. Tão fria quanto funda foi a dor de ver os teus olhos vazios. Tão fria que queimaste o meu rosto com lágrimas.

Levantei-te do sítio onde ficarás p’ra sempre. Envolvi-te em preto. Ungi-te com água e sal. O meu sal. A minha água. Levei-te ao colo na caminhada mais longa da minha vida.

Olhei p’ra ti uma última vez. A primeira do milhão de vezes que te vi deste então, nos sítios onde te escondias para mim, nos sítios onde esperavas que te visse, que os meus olhos tocassem os teus, e os fechassem de carinho.

Devolvi-te à terra, forçado, com revolta, contra a vontade dos meus braços que te queriam apertar forte. Obriguei-me a deixar-te ir, mas prendi-te dentro de mim, de um lugar de onde nunca te deixarei sair.

Voltei, para abraçar os que te amavam. Para dar a paz que não tinha. Para os acalmar com o meu choro. Para cobrir a sua dor com o conforto de braços que tremiam de raiva.

Chamei por ti, bem cedo nessa manhã. Quando senti a tua ausência e uma fina faca de gelo se enterrou no meu estômago. Soube, logo, num instante, que não responderias.

Já não estavas lá quando te encontrei, quando cheguei ao pé de ti. Os teus olhos não tinham luz. O teu sopro estava parado. Não respondeste à minha voz. Não respondeste ao meu toque. Não respondeste ao meu choro.

Perdoa-me. Não te vi partir. Não te disse adeus. Perdoa-me. Por não te abraçar na dor. Por não sussurrar o teu nome na despedida. Por não cantar paz sobre a tua passagem. Por não te entregar ao abraço do que te criou, de a quem sempre pertenceste. Perdoa-me, meu amor.

Sinto falta de ti, Gabriela. Sinto falta do teu som. Do ensurdecedor silêncio dos teus passos. Dos choros alegres da tua voz. Das ameaças vazias dos teus dentes. Da dança da tua cauda. Do conforto do teu pelo. Da doçura rija dos teus bigodes. De me pertenceres. De nunca me teres pertencido.

Mas foste minha, por um tão breve instante, tive o teu coração! Em troca, tu marcaste as minhas mãos. Marcaste a minha alma. Marcaste a quem amo. No momento da angústia, no momento da desilusão, foste conforto, foste esperança, foste profecia. Anunciaste com a tua chegada a promessa com que há tanto tempo sonhávamos. Obrigado, amiga.

Amo-te. Sempre.

Adeus, meu amor. Adeus, Gabriela.

Dorme bem.

Sonha comigo.

10 comentários:

Emanuel Viçoso disse...

Povo.

Perdão pela longa ausência.

Perdão também pela derivação da habitual linha editorial insana.

Precisava de dizer isto em algum lado, e quis que fosse aqui.

Abraços a todos,

EV

Maria disse...

Adorei os delírios que escreveste... E ainda bem que és maluco assumido ;) Quanto ao Adeus Gabriela não tenho palavras, apenas alguma água salgada que já sabias que te ia oferecer ao ler o teu texto, certo? bjs

what disse...

Li e reli.
Gostei.
Obrigado por compartilhares.
Peço desculpa por ser tão parco o comentário. Gostaria de dizer mais.

Abraço

Anónimo disse...

Caro Amigo os meus pêsames...
que grande animal ela devia ser!!!

what disse...

@Anónimo:
> que grande animal
Tal e qual o dono.

Abraço

nocas verde disse...

EV,
Cada vez me revejo mais nestas linhas tuas reencontradas
Que sorte teve a Gabriela por estar contigo
Que sorte tiveste tu pelo encontro com ela. Estás diferente com toda a certeza, porque eles são mesmo assim, os Animais.
Ficam connosco mesmo depois.
Beijos

Rui Caetano disse...

As sugestões, ou pensamentos ou fases sentidas têm a sua piada. O blogue ganha com esta originalidade, gostei.

Mrs. Potter disse...

Sei bem o que deves ter sentido, porque há uns meses o meu gato morreu. Estava horrivelmente doente e teve de ser abatido. Sempre pensei que um dia o encontrasse morto ao meu lado na cama. Afinal a morte teve de lhe ser induzida por causa do seu sofrimento. Para mim, o Bolinhas, é como se fosse família e ainda sinto muito a falta dele.
Um grande beijo*

Anónimo disse...

Com saúde e alegria
Muita boa disposição
A qualquer hora do dia
Um Charroco faz bem ao coração

E vem aí o entrudo VIVA à festa ...

Anónimo disse...

Atão????? Esperamos ansiosamente por novas insanidades.

Abraço

Gobius