Tenho o dedo mindinho esquerdo inchado.
Não parece.
À primeira vista, está exactamente do mesmo tamanho que o direito. Mas eu sei que ele está inchado. Sinto-o inchado. Cheiro-o inchado. E se o observar pelo canto do olho, sem olhar directamente para ele, vê-se perfeitamente que ele está inchado.
É só quando o examino atentamente à lupa que me parece estar normal.
O que é prova inequívoca do seu inchaço. Como pode alguma coisa normal, parecer normal quando se a observa à lupa? Toda a gente sabe que o que é normal parece inchado à lupa, ergo, tudo o que é inchado parece normal à lupa. Tenho o dedo mindinho esquerdo inchado, e é por isso que me parece normal à lupa.
Inchado de forma mórbida.
Inchado como o ego do Mourinho.
Inchado como o deficit público.
Inchado como o orgulho humano.
E, tal qual como estas coisas, temo que o meu dedo mindinho me leve à perdição.
Oiço-o latejar à noite. Síncrono com o bater do meu coração. Mesmo enterrado em gelo, metido bem fundo no congelador, consigo ouvi-lo.
Foi fácil cortá-lo. Fui buscar o meu bisturi favorito, perfeitamente enrolado em veludo preto, no fundo do meu armário especial.
Brilho de aço contra rosa de carne. O brilho venceu, vence sempre, separando carne, osso e tendão, sem mácula e sem dor.
Fui ao hospital. “Veja lá, um acidente de trabalho”. Voltaram a colocar-me o dedo. Ficou normal durante uns tempos, mas assim que a costura sarou, o inchaço voltou.
Telefonei ao meu amigo informático. “Desta vez, desligar e voltar a ligar não funcionou, pá.” Ele desligou-me o telefone na cara. É assim desde o incidente com o martelo pneumático.
Fui novamente ao médico. “O senhor precisa é de anti-depressivos”. Idiota.
Fui ao curandeiro Mestre Babacu. “O senhor precisa é de vir a mais cinco consultas”. Embuste.
Fui a uma histérica qualquer da nova era. “O senhor precisa é de um clister de chã verde”. Palerma....Mas comprei o clister na mesma....nunca se sabe....
Continuo com o dedo inchado, mas sinto-me muito mais levezinho.
Tenho o dedo mindinho inchado.
Vá lá que é o único problema que tenho.
Como respiram as baratas?
É uma pergunta que nos últimos tempos me tem ocupado algumas horas de reflexão.
O que é, por si só, estúpido, porque eu sei como respiram as baratas. Têm uma espécie de aberturazinhas dos lados por onde entra o ar para um pequeno canal, que depois se ramifica no interior do corpo dos bichos. A troca dos gases faz-se de forma mais ou menos passiva, de acordo com a segunda lei da termodinâmica.
Ora, se eu sei a resposta, porque raio não consigo parar de pensar na pergunta?
Eu, nos meus tempos de jovem mamífero, pensava que o objectivo das perguntas era obter uma resposta. “Que horas são? Dez e vinte. Muito obrigado”. “Queres namorar comigo? És nojento! Muito obrigado”. “E se for só um beijinho? Toma lá 50 mil volts de taser, mete-nojo! mmmmmmuuuuiiiitttooooo obrriiiiggggadododooo”.
Bons tempos.
Agora, no entanto, parece que seja qual for a resposta que obtenho, a pergunta não desaparece. Como respiram as baratas? Como respiram as baratas? Como. Respiram. As. Baratas?
Tenho a pergunta a ecoar-me na cabeça há mais de duas semanas. Dou por mim a dissecar cada palavra, tentando extrair algum sentido último imbuído no vocábulo. “como”, “como, “como”, “como”, “como”, “como”. “como”, “como”, “como”, “como”“Como como? Como como como!” O que é um “como”? Eu não sei! Pelos céus, eu não sei! Isto é pura tortura!
Brinco com anagramas, trocando primeiro a ordem das palavras e depois usando as letras em todas as combinações possíveis à procura de seja lá o que for que existe nesta frase que não me deixa dormir. E refiro-me mesmo a todas as combinações, não apenas às que produzem palavras coerentes numa qualquer língua humana. São mais de 5,000,000,000,000,000,000 de frases possíveis! Sabem quanto tempo demora a examinar cada uma delas? E o que raio quer dizer “smr aeaobpr arsti ca omas”?
Cheguei a um ponto em que a frase se tornou num conjunto de sílabas, uma sequência de sons familiares que não significam nada. Conheço as letras. Palro os ditongos. Compilo os vocábulos. Cuspo a frase. Mas não lhe reconheço qualquer sentido...
Como respiram as baratas? Sugando de mim toda e qualquer semelhança de vida e sanidade, é como elas respiram! Cada encher de pulmões de um desses pulhas de seis patas é agonia para mim. Milhões, e milhões, e milhões de pequenos pulmõezinhos nojentos, espalhados por todo o mundo, em cada canto putrefacto onde a miséria humana se derrama, a inspirar e expelir micrómetros cúbicos de ar, biliões de vezes por minuto... O sofrimento é inenarrável!
O facto das baratas nem sequer terem pulmões só acrescenta à injúria.
Chega.
Recuso-me a ser consumido por esta obsessão. Vou esquecer. Vou meter esta pergunta infernal para trás de mim e seguir com a minha vida.
Até porque vai começar o Benfica....
E isso já é miséria que chegue para um século...
O que é, por si só, estúpido, porque eu sei como respiram as baratas. Têm uma espécie de aberturazinhas dos lados por onde entra o ar para um pequeno canal, que depois se ramifica no interior do corpo dos bichos. A troca dos gases faz-se de forma mais ou menos passiva, de acordo com a segunda lei da termodinâmica.
Ora, se eu sei a resposta, porque raio não consigo parar de pensar na pergunta?
Eu, nos meus tempos de jovem mamífero, pensava que o objectivo das perguntas era obter uma resposta. “Que horas são? Dez e vinte. Muito obrigado”. “Queres namorar comigo? És nojento! Muito obrigado”. “E se for só um beijinho? Toma lá 50 mil volts de taser, mete-nojo! mmmmmmuuuuiiiitttooooo obrriiiiggggadododooo”.
Bons tempos.
Agora, no entanto, parece que seja qual for a resposta que obtenho, a pergunta não desaparece. Como respiram as baratas? Como respiram as baratas? Como. Respiram. As. Baratas?
Tenho a pergunta a ecoar-me na cabeça há mais de duas semanas. Dou por mim a dissecar cada palavra, tentando extrair algum sentido último imbuído no vocábulo. “como”, “como, “como”, “como”, “como”, “como”. “como”, “como”, “como”, “como”“Como como? Como como como!” O que é um “como”? Eu não sei! Pelos céus, eu não sei! Isto é pura tortura!
Brinco com anagramas, trocando primeiro a ordem das palavras e depois usando as letras em todas as combinações possíveis à procura de seja lá o que for que existe nesta frase que não me deixa dormir. E refiro-me mesmo a todas as combinações, não apenas às que produzem palavras coerentes numa qualquer língua humana. São mais de 5,000,000,000,000,000,000 de frases possíveis! Sabem quanto tempo demora a examinar cada uma delas? E o que raio quer dizer “smr aeaobpr arsti ca omas”?
Cheguei a um ponto em que a frase se tornou num conjunto de sílabas, uma sequência de sons familiares que não significam nada. Conheço as letras. Palro os ditongos. Compilo os vocábulos. Cuspo a frase. Mas não lhe reconheço qualquer sentido...
Como respiram as baratas? Sugando de mim toda e qualquer semelhança de vida e sanidade, é como elas respiram! Cada encher de pulmões de um desses pulhas de seis patas é agonia para mim. Milhões, e milhões, e milhões de pequenos pulmõezinhos nojentos, espalhados por todo o mundo, em cada canto putrefacto onde a miséria humana se derrama, a inspirar e expelir micrómetros cúbicos de ar, biliões de vezes por minuto... O sofrimento é inenarrável!
O facto das baratas nem sequer terem pulmões só acrescenta à injúria.
Chega.
Recuso-me a ser consumido por esta obsessão. Vou esquecer. Vou meter esta pergunta infernal para trás de mim e seguir com a minha vida.
Até porque vai começar o Benfica....
E isso já é miséria que chegue para um século...
Algo está mal
Frequentemente tenho que me assegurar a mim mesmo que não sou louco.
Até aqui tudo bem, tenho a certeza que a esmagadora maioria de nós passa por situações destas todos os dias.
O problema é que eu acho que me ando a mentir a mim mesmo. Não tenho a certeza, porque eu disfarço bem, mas há algo sobre o meu sorriso esquivo, quando digo "não Viçoso, a sério, és normal", que me põe de pé atrás.
Além disso, sempre que trago este assunto à baila, noto um certo embaraço em mim mesmo, um certo desviar de cara e uma tendência demasiado frequente para ficar a olhar para os meus próprios pés, como se eu tivesse vergonha de mim.
E para mais, quando me asseguro a mim mesmo que tudo está bem, eu nunca, mas nunca, me olho a mim mesmo nos olhos.
Algo está mal.
Não posso falar disto aos meus amigos, achariam que se passa algo de errado comigo, e para além disso, não me lembro se tenho algum. E quanto à minha esposa, bem, não quero dar parte de fraco à única pessoa que ainda me tem em alguma consideração.
Resolvi por isso iniciar um blog. Assim, não só oculto este dilema de quem me conhece, como posso ainda partilhar as minhas inquietações com perfeitos estranhos, que por certo serão bem melhores conselheiros do que quem me quer bem... os mentirosos.
Eu não sou insano. Prometo.
Até aqui tudo bem, tenho a certeza que a esmagadora maioria de nós passa por situações destas todos os dias.
O problema é que eu acho que me ando a mentir a mim mesmo. Não tenho a certeza, porque eu disfarço bem, mas há algo sobre o meu sorriso esquivo, quando digo "não Viçoso, a sério, és normal", que me põe de pé atrás.
Além disso, sempre que trago este assunto à baila, noto um certo embaraço em mim mesmo, um certo desviar de cara e uma tendência demasiado frequente para ficar a olhar para os meus próprios pés, como se eu tivesse vergonha de mim.
E para mais, quando me asseguro a mim mesmo que tudo está bem, eu nunca, mas nunca, me olho a mim mesmo nos olhos.
Algo está mal.
Não posso falar disto aos meus amigos, achariam que se passa algo de errado comigo, e para além disso, não me lembro se tenho algum. E quanto à minha esposa, bem, não quero dar parte de fraco à única pessoa que ainda me tem em alguma consideração.
Resolvi por isso iniciar um blog. Assim, não só oculto este dilema de quem me conhece, como posso ainda partilhar as minhas inquietações com perfeitos estranhos, que por certo serão bem melhores conselheiros do que quem me quer bem... os mentirosos.
Eu não sou insano. Prometo.
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