Eu sou um compósito de todos os meus personagens

A maioria das pessoas gostam de fantasiar que são outras pessoas. Que são mais belas, mais ricas, mais inteligentes, que têm uma personalidade minimamente interessante e não se arrastam abjectamente por este mundo sem qualquer sentido de propósito ou satisfação, que são ratos de peluche gigantes cor de rosa, etc, etc, etc.

Ou seja, substituem-se, neste universo, por outra pessoa que tem, ou é, algo que elas manifestamente nunca conseguirão ter ou ser.

Patético.

Eu gosto de mim mesmo. E como não gostar? Afinal, sou perfeito. Passo várias horas por dia ao espelho a admirar a beleza majestática da glória que sou eu. Se há dez anos atrás soubesse o que sei hoje, teria casado comigo mesmo, na primeira união hermafrodita do mundo. Não vejo, por isso, motivo para me substituir nas minhas fantasias.

É o universo à minha volta que tem falhas evidentes, e é esse universo que eu mudo. Ou seja, eu gosto de fantasiar que sou eu mesmo, só que noutro universo. Paralelo ou perpendicular, tanto faz.

Já fui eu mesmo no meio de uma invasão galáctica.

Já fui eu mesmo no meio de uma guerra pan-europeia.

Já fui eu mesmo numa arena de combates até à morte no médio oriente.

Já fui eu mesmo a acompanhar a irmandade do anel (o que foi chato, porque só podíamos ir 9, de modos que o Legolas teve de ficar em Rivendel).

Já fui eu mesmo num universo em que uma ligeira alteração às constantes universais produziu galáxias compostas inteiramente por gelatina.

Eu sou, enfim, a única constante no meu multiverso pessoal.

Existe, no entanto, um problema. Não há acção sem reacção. E a massa onírica acumulada de todos estes universos imaginários está a começar a gerar uma força gravítica própria.

Estou a ser sugado para estes mundos. Às vezes pisco os olhos e já não sei em que universo estou. Começo a trocar as frases que os diferentes eus diriam nesses outros mundos, o que no outro dia resultou em chamar ao meu chefe "cão imundo do deserto" e "Vey'k'ali'zhak'nak" à minha esposa. O mundo à minha volta está-se a transformar apenas numa outra fantasia.

Nos momentos piores vejo vários mundos sobrepostos uns sobre os outros, numa cacofonia de singularidades causais. Estou-me a tornar num nexo dimensional, e o meu multiverso começa a colapsar sobre mim, fundindo todas as linhas narrativas numa só, anulando e somando todas as diferenças entre as estórias, até que por fim ficarei sozinho....no centro dum limbo estático, infinito e eterno....Só, no meio do universo inerte que resultará da amálgama dimensional.....Eu, sozinho, num universo vazio......Eu só.......Eu....Só.......

Será belo.....Será tão belo....